Esmeralda não se importava. Podia o dia ter sido de chuva ou de sol, lá ficava ela nas noites frias ou abafadas da pauliceia, ouvindo suas novelas da Rádio São Paulo. Sabia seus enredos de cor, o nome de seus personagens, os atores. 'Uma sombra em minha vida', era uma de suas favoritas, entre outras tantas que já havia ouvido - intriga, ambição, revolta, destino e é claro, o amor, faziam o recheio desse prato tão apreciado por ela e outras milhares de jovens paulistanas sonhadoras.
''Esses enredos são tão rocambolescos'', dizia Joana, a prima impertinente de Esmeralda. 'Onde já se viu, tanto drama?'. Mas Esmeralda se fazia de surda, e o seu rádio de cabeceira era seu maior irradiador de sonhos. Em um contínuo exercício de criatividade, imaginava os ambientes narrados em cada transmissão: os casarões onde bailes elegantes aconteciam, via com cores nítidas os vestidos das moças que eram cortejadas por não menos elegantes moços em todo um ritual de conquistas, paixões e suspiros incontáveis...
''Será que um dia eu terei um capítulo de novela em minha vida? Com um baile, um jovem me conquistando, pedindo minha mão em namoro, depois em noivado e por fim em casamento? Eu imagino que sim'', questionava Esmeralda em pensamentos altos, tão altos que por vez chegavam até os ouvidos de seus amigos e familiares. De tanto pensar alto, Esmeralda ganhou o apelido carinhoso dos seus de 'Sonhadora'.
Um dia, o enredo imaginado pela Sonhadora foi realizado. Ela conheceu Gérson, um rapaz que era elegante, não a ponto de vestir fraque como nos capítulos das radionovelas da Rádio São Paulo, mas a fazia se sentir como uma daquelas mocinhas indefesas e meigas apresentadas em textos para lá de dramáticos. O enredo era mais simples, porém não menos empolgante. Sua história era conhecida apenas pelos familiares e pelo seu círculo de amizades. Certamente não seria mostrado em reportagens da Revista do Rádio, nem teria patrocinadores como pasta de dentes, sabonetes que deixavam a cútis sedosa, nem seria anunciado todos os dias às 20:00h na sua emissora favorita. Gérson era trabalhador e esforçado, trabalhando em uma multinacional e poupando parte do que ganhava desde adolescente para quando constituísse família. Respeitoso e gentil, gostava de tocar violão e fazer composições para Esmeralda. Tudo, claro, seguindo o repertório romântico: ele na calçada e ela na janela (a casa era de um andar só), mas não menos romântica, pelo menos para eles.
No final, tudo acabou como o planejado pela jovem sonhadora. Noivou, casou e constituiu família. Como sabemos, a vida não é um capítulo completo de uma novela, apenas alguns trechos podem ser classificados como tal, mas mesmo assim, a mente sonhadora de Esmeralda nunca perdia o brilho. Alguns mais céticos diziam que o sonho acabaria logo, e em pouco tempo Esmeralda cairia de joelhos perante à realidade tão dura e cruel do cotidiano. Foi inútil. Em cada dia de sua vida de casada, Esmeralda-Sonhadora lapidava tudo ao seu redor para que nada perdesse o encanto em sua casa. Nas tarefas mais rotineiras, nas responsabilidades de esposa, no trato com os dois filhos Ester e Júlio ou no relacionamento com o marido, ela se esforçava, amenizando atritos, mediando situações de tristeza, dizendo palavras de ânimo para Gérson, quando esse não tinha condições de sorrir, devido a problemas do cotidiano.
O esforço valeu a pena. Ninguém poderia imaginar que Esmeralda, assídua ouvinte das novelas da Rádio São Paulo conseguiria ser tão eficiente na condução de seu lar, algo improvável para quem a via sempre sonhando, viajando nas histórias de roteiros dramáticos e mega-românticos. Até mesmo a Joana, a prima que ficava irritada só de ouvir Esmeralda comentar os capítulos quando estava perto dela, disse certa vez ''Pois é, eu sempre imaginei que você era avoada em seus pensamentos, que não conseguiria se adaptar à vida em família...enquanto eu, sempre realista, não fui feliz nos meus dois casamentos...'' E ela se lembrava disso sempre que as coisas não andavam bem para ela, o que comovia Esmeralda, que sempre arrumava um jeitinho para afagar-lhe e dizer palavras de apoio para a prima.
Mas como é corriqueiro nas novelas, e na vida real também, sempre existe um desfecho e o enredo de Esmeralda teve o seu. Um dia percebeu que seus filhos haviam tomado seus rumos, Ester se casou e Júlio continuava solteiro com seus projetos de estudo e trabalho, sempre viajando. Algumas pessoas queridas haviam partido, outras mudado, e até mesmo as novelas da Rádio São Paulo, que ela tanto gostava, não eram mais transmitidas. Havia um sentimento de desacordo dentro de si. Não que ela estivesse cansada da sua história, pois para ela o renovo era coisa não tanto trabalhosa, mas ela percebeu que o cenário havia mudado. Comentou com Gérson que sentia necessidade de ficar junto aos netos que Ester havia lhe dado e que moravam no interior. Ele que já estava aposentado e também queria novos ares, refletiu e atendeu aos desejos de sua amada Esmeralda.
Partiram para o interior, deixando para trás toda a 'história de Esmeralda e sua família'. Não era um desfecho real, a história continuou por muito tempo, tal qual as radionovelas que tanto faziam bem para aquela sonhadora e que sempre tinham os roteiros que se repetiam constantemente. Antes de ir, o casal foi dar uma volta no quarteirão onde se conheceram, na praça, viram a casa onde Gérson fazia serenatas para a namorada, hoje esposa e avó, que certamente terá muitas histórias para contar aos netos. As suas próprias histórias, com enredos incríveis, tais quais as histórias das radionovelas que Esmeralda, a Sonhadora, ouvia na Rádio São Paulo.