quinta-feira, 12 de abril de 2012

Metamorfose de botas

No calçadão eu a encontro de esbarrão, veja só, eu que sou quase de não esbarrar em conhecidos ali. Mas eu a conheço bem, tanto é que não conseguiria, se não a conhecesse. Ela está mudada, trocou seus óculos de aro preto moderninhos por uns mais leves. Se não me engano também está estreando nos brincos - não era ela que dizia serem "essas coisas, brincos, maquiagem, simples badulaques", "uma opressão para as mulheres"? E ainda também, se não me engano, ela parece que fez escova nos cabelos, quando sempre a encontro, estão desalinhados, ou com arcos coloridos (já falei que os arcos a deixam com jeito de colegial, e ela não gostou, claro).

Diz que está contente em me ver - veja só, a senhorita-eficiência-depois-a-gente-se-fala-sabe-lá-Deus-quando, pois ela sempre atrasada para os dois trabalhos e sempre tinha uma coisinha para fazer, um curso, ou tinha que ir na casa da prima ver aqueles filmes esquisitos(eu fui uma vez com ela, uma não, duas, pra quê?) sem pé nem cabeça. Também diz que faz tempo que prometo ir visitá-la, mas nunca vou (se ela pensar um pouquinho, vai lembrar que nunca me convidou, por isso nunca fui à sua casa, apesar de morar a alguns quarteirões dela). E, para minha surpresa geral, ela não está carregando o último livro ''imperdível'' que uma das amigas esquisitas dela sempre recomendavam como ''imperdível'', acompanhada, é claro de um calhamaço de papéis de concursos e de textos baixados da internet ("É imprescindível que se leia baseado em bons autores, sabe?"). Impressionante.

No lugar - até que ela fica bem charmosa de botas de cano alto, humm - ela carrega algumas sacolas. Eu olho, ela diz que é para os sobrinhos, os mesmos daquela irmã que era "alienada que só quer fazer o repertório da opressão feminina". "Repertório da opressão" parece nome de banda de rock sub-alternativo. Bem, pelo jeito, mudou, é ex-alienada, pois até o marido é agora elogiado: ''Minha irmã teve sorte de encontrar um cara legal como ele, sabe"? E de primeira mão sei que ela adora os garotos (nunca duvidei disso) e fica imaginando quando tiver os seus. Passa a mão no cabelo "Tá bonito, gostou? fiz escova hoje de manhã!" e repete que fica imaginando quando tiver os seus (garotos). Termina de dizer e morde a ponta do indicador e encolhe os ombros  e sorri, como se fosse arrebatada por um pensamento sublime, o que na verdade é, seu olhar mostra isso (se estivesse com os óculos de aro grosso, talvez ficasse mais difícil de mostrar).

Faceira, põe a mão no meu peito, veja só, eu que sempre sonhei isso e nunca consegui, diz que sempre suas amigas perguntam de mim, e sempre acham que estamos juntos. Eu que pensei que aquelas amigas água de salsicha só diziam coisas ''urgentes'' e escapavam de bobagens de mulherzinhas. E diz também que a prima (a dona da casa onde íamos ver os filmes) sempre pergunta de mim, ela é bonitinha, mas...''O quê?'' Me espanto quando a ouço dizer que ela (a prima) sempre pergunta se estou bem quando se reúnem para ver... comédias românticas. "É, você não sabe que somos mulheres? ha, ha!".

Faz como que está tirando pêlos invisíveis de meu casaco, diz que quer sair comigo, mas acho que eu vou estar ''ocupado demais'' (quem é que está sempre ocupada, caramba!). Olho de lado, a ex-senhorita '' a mulher não deve jamais se submeter aos caprichos de um homem'' esfrega sua mão esquerda no meu braço direito e olha direto nos meus olhos. Finjo que tenho alguns compromissos e busco uma vaga na minha agenda fictícia. "Mas, então eu passo na sua casa, antes". "Sim! Sim!", a senhorita adorável sente que já me laçou e me despeço dela, ela segura o meu braço e parece que vai me levar junto, diz que tem alguns compromissos (não para ela, para a irmã) e sai. O céu cinza, o dia frio e eu tão pasmado. E não é que ela fica mesmo lindona de botas de cano alto?

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Um par moderno: ela

 - Que coisa Júlio! Você sempre quer ter razão, não importa se eu estou certa ou errada, mas sempre você vem com uma historinha furada e tenta me censurar, me cortar...tá vendo? Já tá me cortando. Me espera terminar de falar! Não eu não sou histérica, como eu odeio quando me interrompem! Você tem prazer em me fazer odiar, não é? Por isso me interrompe. Não, não sou histérica. Não é porque eu briguei com a caixa do supermercado dia desses - aquela que disse que sua letra era bonita quando viu sua assinatura. Por que eu briguei? Você sabe muito bem o porquê, somente eu posso ser elogiada ao seu lado. Se ela dissesse "Puxa vocês formam um belo par, inclusive ela", aí sim. O quê? As sirigaitas elogiam as namoradas dos outros quando querem na verdade elogiar eles? Bem...eu não sei, talvez sim. O que você acha? Júlio, eu estou perguntando o que você acha? Não, agora pode me interromper, é pra me responder, Júlio!

Tá...pode fazer silêncio. E fique olhando para a moça atendente...parece que você faz isso só pra me provocar...pergunta pra ela se ela te acha bonito também. Não, claro que nenhuma te disse isso ainda na sua frente, mas se a outra elogiou sua letra, quer dizer que queria elogiar o pacote completo. Eu conheço muito bem essas avoadas...Não, eu não sou avoada não. Não é porque eu adoro os livros da Jane Austen que eu sou avoada. Não, o que tem demais saber de cabeça os nomes de todos os personagens de Orgulho e Preconceito e suas falas principais? É, você deveria ler alguns dos livros dela, em vez de ficar assistindo aqueles seus filmecos. Quais, aqueles que você adora, do Charles Bronson. Ah, sei que são emocionantes...O quê? Repita, Júlio! Quer dizer que você gosta de emoções fortes e que ir comigo ao shopping e me ouvir tagarelar é uma baita emoção? Toma! (dá um beliscão na coxa dele). 

Vamos, já vai começar o filme. E daí que é comédia romântica, eu adoro! Todas minhas amigas viram e recomendaram. Não chame minhas amigas de encalhadas (dá um outro beliscão nele, agora na barriga), eu já desrespeitei seus amigos? Sei...daquela vez foi sua culpa eu ter chamado eles de 'bocós'. Você demorou cinco minutos para me deixar entrar...tudo por causa do maldito pingue-pongue. O pior mesmo é quando se juntam pra jogar pebolim...Mas quando a gente se casar não pense que seus amiguinhos vão ser suas prioridades, viu? O quê? É claro que minhas amigas são diferentes. E o que tem demais a gente passar uma tarde jogando pife-pafe? É algo para a mente ao contrário desses seus joguinhos bobos. 

Não, pare...não me chame de arrogante...(ela começa a chorar). Eu não faço por mal...viu o que você fez...a culpa é sua, agora está todo mundo prestando atenção...é culpa sua. Já falei outras vezes que eu me preocupo com você, não disse? Eu sei que às vezes eu falo demais, sem pensar, mas a culpa é sempre sua e você nem liga pra que eu falo. Não, eu não estou nervosa. Me abraça...isso...Eu quero muito que você ponha nessa sua cabecinha oca que eu te amo, amo muito! Fica quieto e só me abraça!  E já te disse também que não gosto quando você quer bancar o super protetor? Me abraça forte...