quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Aquele, o Anselmo

Ele bem que poderia ser conhecido por ter trabalhado na extinta Companhia Municipal de Transporte Coletivos e por ter feito 'atolar' no asfalto um também extinto ônibus de dois andares, que ficou encalhado na canaleta da rua. Saiu até no noticiário da TV e isso até o deixava meio sem graça, pois foi a única coisa que me lembre feita por ele que pudesse ser chamada de 'mancada'. Ou então poderia ainda ser conhecido por ter sido chamado de insensato por ter largado sua vida de condutor e iniciado seu próprio negócio com a mulher e filhos, num tempo onde todos diziam "Você é louco por trocar o certo pelo duvidoso!"

Mas não, ele sempre foi conhecido como 'Aquele, o Anselmo'.

Isso porque sempre que se queria saber de algo, alguém sempre apontava para ele e dizia 'Olhe, talvez ele ali saiba, aquele, o Anselmo'. Daí pegou o nome e sempre que alguém precisasse de apoio nas mais variadas áreas do conhecimento, ali estava o bom e velho Anselmo.

Não é exagero não. Acredito que ele foi o precursor do Google. Acho que é isso mesmo, antes da googlada talvez houvesse a anselmada. E não tinha tempo ruim não. Se quiséssemos algo para nossos trabalhos de escola era só agendarmos um papo com ele. Agendar não, pra dizer a verdade era só chamar dizendo que estávamos precisando de sua ajuda para conseguir algum material e lá estava ele largando tudo para desespero de sua mulher que tinha que cuidar da quitanda. Não que fosse preguiçoso ou algo parecido, mas seus olhos parece que brilhavam quando alguém solicitava seus conhecimentos e parecia que nunca deixava ninguém na mão. 

E então com sua assessoria, tudo ficava mais fácil. Tudo era fascinante para nós, seus discípulos, ver Anselmo tratar dos mais variados temas. História Universal, Química, Português, Inglês, Anselmo (ele até já tinha dado aula, vejam só). Cultura geral. Anselmo. Futebol. Anselmo. "Olha, o primeiro time a admitir negros foi o Clube de Regatas Vasco da Gama, vejam como eram corajosos", dizia o carioca radicado em São Paulo desde os nove anos (ele tinha uma paixão imensa pelo Corinthians, seu time do coração). Ele tinha uma sala só com suas revistas, livros, enciclopédias e tudo mais que consultava diariamente nas horas de folga. "O centro de informações", era como ele chamava o "cômodo favorito" de sua casa, "depois, é claro da cozinha, do quarto, da sala, da varanda, e da garagem", completava rindo.

Às vezes ele filosofava também. Mas nunca foi pedante, possivelmente por sua vontade de ajuntar, de difundir, de ver que tudo poderia ser transformado através do conhecimento, do aprender no dia a dia. "Só sei que nada sei" era para ele mais do que o slogan de um de seus filósofos favoritos, era um ideal de vida. Parece que esse ideal era o de unir as pessoas em torno de algo mais importante do que todas as coisas mais valiosas juntas - o conhecimento. Não o conhecimento pelo conhecimento, mas o conhecimento que transformasse e nos levasse a outros mundos, que ajudasse as pessoas...

E ele também gostava de ajudar as pessoas, sabe? Um dia ele foi na casa do Paulo consertar um chuveiro que não funcionava de jeito nenhum. Então ele até deu uma 'bronca' no Paulo porque tinha ligado o fio terra do chuveiro no neutro da corrente elétrica, algo errado, porque poderia causar choque. Ele falou: "Se você virar churrasquinho como vai casar com minha  Mariana, hein?" Mariana era a filha do Anselmo, que por coincidência estava com o pai naquele dia na casa do Paulo. Nem preciso dizer que daquela história a família daquele, o Anselmo, aumentou. Era impressionante, ele conseguiu casamento para a filha e os três filhos dessa maneira, como quem não quer nada. Aquele, o Anselmo das redes sociais. É isso aí, acho que ele também é precursor das redes sociais. Ele estava anos à frente do Google, do MSN e do Facebook!

Um dia desses passei na quitanda do Anselmo e soube que ele estava doente. Nada grave, tranquilizou dona Luisa, sua mulher. Duas semanas de repouso ele estaria novo em folha. Mas a mulher não estava muito tranquila, pois em vez de descansar, lá estava ele atrás de tudo e fazendo tudo. Fui fazer uma visitinha, que acabou durando a tarde toda. Porque por mais que você queira deixar a conversa para a próxima vez, nunca consegue, pois Anselmo sempre é interessante para quem quiser saber coisas interessantes. Entrei e o vi com seu novo 'instrumento' - um notebook que ganhou de aniversário da Mariana. "Veja que beleza, vão lançar o Windows 8!". Achei engraçado e vi que, fosse o 'Anselmo analógico' ou o 'Anselmo digital', não importava, ele sempre estava atrás de coisas novas. Aliás, ali parecia que um computador estava sendo utilizado por outro computador ambulante, criativo, sabedor de tudo, mas muito humano. Passei a tarde inteira conversando com ele e o tempo passou tão rápido. Assim como a memoria do Anselmo, sempre a mil, que jamais pára. 

Semana que vem volto lá, pois ele me prometeu que me ensinaria a usar o programa editor de filmes, algo que nunca aprendi direito. Claro que isso vai acabar, pois depois de uma aula daquelas do Anselmo, é difícil sair não sabendo das coisas...

domingo, 12 de junho de 2011

Um par moderno: ela

 - Que coisa Júlio! Você sempre quer ter razão, não importa se eu estou certa ou errada, mas sempre você vem com uma historinha furada e tenta me censurar, me cortar...tá vendo? Já tá me cortando. Me espera terminar de falar! Não eu não sou histérica, como eu odeio quando me interrompem! Você tem prazer em me fazer odiar, não é? Por isso me interrompe. Não, não sou histérica. Não é porque eu briguei com a caixa do supermercado dia desses - aquela que disse que sua letra era bonita quando viu sua assinatura. Por que eu briguei? Você sabe muito bem o porquê, somente eu posso ser elogiada ao seu lado. Se ela dissesse "Puxa vocês formam um belo par, inclusive ela", aí sim. O quê? As sirigaitas elogiam as namoradas dos outros quando querem na verdade elogiar eles? Bem...eu não sei, talvez sim. O que você acha? Júlio, eu estou perguntando o que você acha? Não, agora pode me interromper, é pra me responder, Júlio!

Tá...pode fazer silêncio. E fique olhando para a moça atendente...parece que você faz isso só pra me provocar...pergunta pra ela se ela te acha bonito também. Não, claro que nenhuma te disse isso ainda na sua frente, mas se a outra elogiou sua letra, quer dizer que queria elogiar o pacote completo. Eu conheço muito bem essas avoadas...Não, eu não sou avoada não. Não é porque eu adoro os livros da Jane Austen que eu sou avoada. Não, o que tem demais saber de cabeça os nomes de todos os personagens de Orgulho e Preconceito e suas falas principais? É, você deveria ler alguns dos livros dela, em vez de ficar assistindo aqueles seus filmecos. Quais, aqueles que você adora, do Charles Bronson. Ah, sei que são emocionantes...O quê? Repita, Júlio! Quer dizer que você gosta de emoções fortes e que ir comigo ao shopping e me ouvir tagarelar é uma baita emoção? Toma! (dá um beliscão na coxa dele). 

Vamos, já vai começar o filme. E daí que é comédia romântica, eu adoro! Todas minhas amigas viram e recomendaram. Não chame minhas amigas de encalhadas (dá um outro beliscão nele, agora na barriga), eu já desrespeitei seus amigos? Sei...daquela vez foi sua culpa eu ter chamado eles de 'bocós'. Você demorou cinco minutos para me deixar entrar...tudo por causa do maldito pingue-pongue. O pior mesmo é quando se juntam pra jogar pebolim...Mas quando a gente se casar não pense que seus amiguinhos vão ser suas prioridades, viu? O quê? É claro que minhas amigas são diferentes. E o que tem demais a gente passar uma tarde jogando pife-pafe? É algo para a mente ao contrário desses seus joguinhos bobos. 

Não, pare...não me chame de arrogante...(ela começa a chorar). Eu não faço por mal...viu o que você fez...a culpa é sua, agora está todo mundo prestando atenção...é culpa sua. Já falei outras vezes que eu me preocupo com você, não disse? Eu sei que às vezes eu falo demais, sem pensar, mas a culpa é sempre sua e você nem liga pra que eu falo. Não, eu não estou nervosa. Me abraça...isso...Eu quero muito que você ponha nessa sua cabecinha oca que eu te amo, amo muito! Fica quieto e só me abraça!  E já te disse também que não gosto quando você quer bancar o super protetor? Me abraça forte...

Um par moderno: ele

- Tá bom Laís, você tem razão. Não, eu tô dizendo que você tem razão, tem razão mesmo. A moça falou que eu tinha letra bonita quando leu minha assinatura na notinha...o que eu posso fazer? Na verdade eu tenho o hábito de rubricar, essa foi uma exceção e você faz esse escarcéu todo. Ahn...sei...isso é da sua cabeça, a caixa não tinha nada de refestelada, ela me tratou como cliente, assim como você, oras! Hum...sei...sei...talvez...sei...hum. Mas foi bom ter acontecido isso, da próxima vez pago no débito e pronto, não tem assinatura nem nada...Eu fiquei muito constrangido, você me fez passar um carão ali na frente de todo mundo! Você ficou tão histérica comigo que nem ouviu ela dizer para o fiscal que a gente formava um bonito casal. Não Laís, o bonito era o casal, eu e você, entendeu? Não, não era eu e só a assinatura era bonita. Eu saberia se fosse um elogio com outra finalidade. Sim, saberia. Isso pode acontecer. Não sei, Laís. As mulheres são complicadas, mas eu sei se fosse outra coisa.

Aqui é um cantinho bonito, né? Vou chamar a moça que atende. É aquela de camisa verde. Ih, ela foi pra lá, vou esperar pra ver se ela viu a gente. Já vim aqui com o pessoal, é bem gostosa a comida. Não meu anjo, já disse que só vou pagar com o débito, não lembra? É que eu falo contigo e você fica com esse livro da Jane Austen e não presta atenção no que eu digo. Fica aí viajando, que coisa, ha, ha! Eu comecei a ler Orgulho e Preconceito semana passada, meio sonolento, eu prefiro Sherlock Holmes . Não, não é sem graça não. Se tem romance? Uai. Tem que ter romance pra ser bom? Não, os filmes do Bronson não tem romance também, que coisa. Ah, Laís, emoção a gente encontra, por exemplo no céu, nos lugares onde a gente está, aqui contigo! Ai, pra que você me beliscou, o que eu disse demais? Não, não fui irônico, mas porque esse beliscão, ai...

Hum...o lanche estava bom, não estava? Vamos ver o filme? Li na internet que é comédia romântica. Suas amigas gostaram, né? Mulheres geralmente gostam desse tipo de filme...Qualquer dia desses vou apresentar uns amigos pra suas amigas. Tem o Joca e o Celso que estão encalhados, talvez alguma amiga sua queira conhecer. Você quer parar de ficar me beliscando? Claro que conhece eles, a gente sempre joga pebolim junto. Aquele dia que você foi lá em casa e ficou nervosa porque não ouvi você chamar porque a campainha tinha quebrado, eles estavam lá jogando comigo. É que você deu piti e não prestou atenção. Não, aquele era o Luís e ele é casado. Sei...quando você fica nervosinha, parece que não vê mais nada. Eu sei quem são suas amigas de pife-pafe e nunca confundi nomes...Não, pingue-pongue não é infantil coisa nenhuma, é esporte olímpico!

Não meu anjo, vem cá, deixa disso...não ninguém tá te olhando. Eu estou aqui, não estou, pra que isso agora? Tá bom, tá bom, desculpa, vamos jogar sim pife-pafe amanhã, ok? E depois, quem sabe,  eu te ensine a jogar pingue-pongue direito...é, aquele é o pebolim, que tem o campo de futebol em miniatura com os jogadores nas varetas...pingue-pongue é com a raquete e a bolinha leve. Sei...hum...que bobagem, claro que eu sei meu anjo, eu também...vamos, vamos, já vai começar o filme.