sábado, 11 de dezembro de 2010

A menina-mulher da bolsa de brim

Lá está ela como de costume no mesmo horário de sempre. Meio-dia e meia ela sobe no ônibus, eu a observo em seu uniforme escolar - uma calça azul e uma blusa da mesma cor com a estampa 'Colégio Adventista'. Seu corpo é esguio, em tempos antigos seria chamada de sílfide, mas sua elegância não é artificial, existe harmonia entre seu rosto, seu corpo e seus gestos. Tudo nela é conforme, certamente não tem vaidade excessiva em busca de uma beleza forjada. Sua fisionomia é constantemente serena, mesmo após uma manhã cansativa de estudos, trabalhos em grupo, exames difíceis. Ela carrega em si o ar de alguém satisfeita com seus próprios méritos, sejam eles os significativos ou aqueles que trazemos conosco apenas para nossa satisfação íntima. 

Ela senta no corredor oposto ao meu com sua bolsa de brim - e esta bolsa mostra um contraste no visual da estudante. Apesar de estar no colégio  e de ser uma adolescente ainda, ela já apresenta traços de mulher. Seu cabelo é comprido e ela sempre o tem  solto. Seu olhar é uma mistura de interesse com o que ocorre ao seu redor com o encantamento daqueles que tem muito a descobrir neste mundo de sensações difusas, cenários improváveis, cenas impensáveis e roteiros reescritos; ela está sempre atenta. Durante a viagem uma surpresa - ela saca uma goma de mascar da bolsa  (que talvez a faça mais feminina do que suas colegas  em suas mochilas descontraídas) e a mastiga de modo especial. Ela parece, enquanto mastiga, compenetrada em algum tema importante. Parece descordar de algum ensinamento que traga forçado consigo,  possivelmente um tema abordado na aula de História, onde foi a ela ensinado que os perdedores são apenas figurantes no palco dos grandes vultos da humanidade. Sua face sugere que  ela discorda desta visão maquiada da História;  provavelmente ache  em suas concepções juvenis que a história da humanidade não é  escrita apenas pelos vitoriosos. Os oprimidos tem lugar especial em seus conceitos sobre a saga  humana e isso a faz vislumbrar algo novo e esperançoso.

O ônibus adentra na periferia, os problemas são mais visíveis, as carências parecem estar estampadas em esquinas, muros, nas casas de pessoas sem rosto e sem voz. Ela continua a meu lado com uma expressão agora mais serena apesar de estar segurando firme  a bolsa de brim pela alça. Já abandonou certamente os conceitos históricos, agora mais relaxada parece pensar em algo ameno, talvez no fim de semana, nas conversas com as amigas do bairro, na reunião familiar de domingo, ou pense no ócio que tanto merece após uma semana árdua de estudos.  Imagino que os esforços durante a semana não foram poucos para minha amiga colegial, ela moradora de uma região esquecida por todos, inclusive pelo Estado. Tento ainda imaginar o esforço que seus pais desempenham para manter os estudos da  filha, para que ela tenha um futuro melhor neste país onde a educação é um privilégio, quando deveria ser um direito. Sei que  minha amiga colegial não  está alheia a estas questões, certamente em suas idéias  esta problemática  é analisada frequentemente. Mas não neste instante. Ela continua serena, abstraída com a paisagem e com o sol da tarde de outono e faz planos para seu merecido descanso semanal.  Eu, ao contrário, não posso perder mais tempo; preciso descer para uma tarde de trabalho numa escola da periferia. Desço e a observo na janela. Vejo  o rosto singelo da menina-mulher da bolsa de brim, que segue adiante, assim como a vida de itinerários incertos.

9 comentários:

Talita Cruz disse...

Bela observação. Aliás, acho que ônibus é o melhor lugar para observar as pessoas..tanto dentro como fora..rsrs.

Marcos Vinicius Gomes disse...

É verdade, acho que até melhor do que o metrô, rsrs.

Anônimo disse...

Olá amigo!!

Adorei o texto..

Parabéns e Feliz 2011 para você, cheio de felicidades e paz..

Marcos Vinicius Gomes disse...

Paulinha,

Um ano cheio de boas realizações para ti, minha amiga, com amor, paz e saúde!

Victoria disse...

Oiii!! Em relação ao comentário que você deixou no meu blog, no post http://nerdburra.blogspot.com/2010/06/um-pouco-sobre-victoria.html .. Esse post me descreve...sem atuar. Aquela sou eu quando não está atuando. Obrigada pela visita e espero que tenha gostado do blog. Um beijo!

Marcos Vinicius Gomes disse...

Oi Vitória,

Eu já desconfiava...rsrsrs
Outro beijo!

Anônimo disse...

Olá, como conseguiu encontrar meu blog: http://sentimentoshumanosedivinos.blogspot.com/ ?
Agradeço por ter comentado...Ainda sou uma leiga no mundo das palavras...A paz!Estou seguindo seu blog...Gostei tbm!Parabéns
Amanda Carvalho

Anônimo disse...

Que maravilha....Obrigada.Vc é esperto né? Costumo fazer isso também(buscar no google).kkkk!Vamos aprender sim, pois buscamos o conhecimento...Nunca esqueça que vc é sábio...A paz!
Amanda Laiara

Marcos Vinicius Gomes disse...

Amanda,

Obrigado pelas palavras. Eu acredito que a verdadeira aprendizagem é aquela que nos faz ver que sempre estamos imcompletos e daí a busca pelo conhecimento.

E isso você demonstra em suas palavras que são muito inspiradoras.

E concluo dizendo que você é sábia e muito esperta também! rsrsrs

Abraço!